Culpa: Palavras para um Homem no Corredor da Morte


Em 1966 Viktor Frankl falou com os internos da maior prisão pública da Califórnia, San Quentin. Ele falou na capela, e seu discurso também era transmitido aos homens nas celas. Durante o período de perguntas Dr. Frankl foi questionado como lidar com a culpa. Em uma pergunta subseqüente foi perguntado se ele direcionaria algumas palavras a um homem no corredor da morte que tinha execução programada para a semana seguinte.

O Significado de Culpa¹


Eu tenho falado sobre minha forte convicção que a vida tem sentido sob todas as condições, até o último momento de nossas vidas. Isto também é verdade para condições que eu tenho nomeado de "a tríade trágica": sofrimento inevitável, morte, e culpa. 

No sofrimento, o que importa é a atitude que nós levamos para situações onde o sofrimento ficou inevitável. Na culpa, o que importa é a atitude que nós levamos para nós mesmos, para o mal que temos cometido, separar-nos de nosso eu² (self) anterior, não mais nos identificar com nosso eu culpado de antes, nos tornarmos um ser diferente, mudar para o melhor. 

Isto é feito enfrentando o que nós fizemos, tendo a coragem para dizer, "isto está errado", e de qualquer forma tentar arduamente crescer para além disto. Isto é significante. Há muitas vidas nas quais esta nova atitude para o eu pode ser a moldura e cerne do mais profundo sentido que uma pessoa podem preencher.

Eu desejo saber se sua biblioteca tem uma cópia do romance curto de Tolstoy, "A Morte de Ivan Ilyich". Conta a história de um homem que, aos 60 anos de idade, reconhece que tem apenas pouco tempo de vida. Ele começa repentinamente a reavaliar sua vida, ele vê tudo com diferentes olhos, vê que desperdiçou sua vida inteira. Ele realmente não amou, sua vida não teve um real conteúdo. Ele está envergonhado de si mesmo e sinceramente se arrepende e lamenta.

Só um grande artista como Tolstoy é capaz de recontar tal mudança. Tolstoy mostra como este homem, em confrontação de seu eu anterior, pela primeira vez em sua vida, começa a crescer, vá além se si mesmo, para preencher seu mais profundo significado, experienciando sua vida incluindo seus fracassos, e os reconhecendo, ele os transcende, ele vai além deles. Literalmente para seu último momento, nem sofrimento, nem morte iminente, nem culpa pode anular o potencial de descobrir a infinita significância da vida.

Em alguns momentos eu dizia a mim mesmo: se o sentido da vida meramente consiste em sobreviver a uma situação, este não é um sentido verdadeiro. Seja como for há um sentido independente em se sobrevivemos ou não, eu gostaria de sobreviver, mas se não, pelo menos há um significado. Ou não há nenhum significado, não há nada, então eu nem mesmo gostaria de sobreviver em uma vida sem sentido. Então eu lutei com este problema até que eu tive este pensamento: o que seria de uma vida se seu sentido dependesse de um manuscrito ser publicado ou de alguém sobreviver por mais alguns anos. E eu decidi que se este manuscrito nunca fosse publicado, tudo bem. Mas eu decidi viver de acordo com o que eu coloquei no papel. Eu desejei publicar minha convicção de que a posição que nós adquirimos é a última fonte de sentido.

Isto é ainda mais verdadeiro quando nós enfrentarmos uma situação de sofrimento inevitável. Eu estava em tal situação e decidi fazer o que eu tinha escrito.

Foi permitido a mim sobreviver, não devido a qualquer mérito mas como um fato. Mais que nunca estou convencido de que o que importa não é a extensão de nossas vidas, mas o que nós somos, o que nos tornamos na hora do último desespero. Nós não podemos fazer nada, nós não podemos fazer coisa alguma, mas nós bem que podemos nos tornar algo, nos tornar alguém. Há as pessoas que se tornam seu autêntico eu em face a morte. Eles se completaram e completaram os sentidos de suas vidas no momento ao qual ninguém acreditaria, e todos os observadores ficam envergonhados.


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¹Texto de  Viktor Frankl retirado do Foro Internacional de Logoterapia, 2000, 23, 47-49, com fonte do Instituto Geist
² N.T.: Foi utilizada a palavra eu como melhor tradução para self. A palavra é grifada em itálico nas vezes em que aparece com este sentido.

O autor

Oi, meu nome é Rafael Sá. Sou téologo, filósofo e escritor. Neste ambiente a fé se converge com existência, produzindo espiritualidade. Estamos aqui até que chegue a paz do Cristo!

ESPIRITUALIDADE E MUDANÇA DE ÉPOCA


AS PRÁTICAS DE ESPIRITUALIDADE, HOJE, PODEM SIGNIFICAR TUDO OU QUALQUER COISA.
ATÉ ALGUM TEMPO, AFIRMAR-SE QUE DETERMINADA PESSOA ERA "ESPIRITUAL" SIGNIFICAVA DIZER QUE ELA ERA DEDICADA AO CAMPO DAS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, SEM PREOCUPAÇÃO COM AS COISAS MATERIAIS. O ESPIRITUAL ERA AQUELE QUE CUIDAVA DAS "COISAS DO ESPÍRITO". ISSO PORQUE MUNDO ESPIRITUAL E MUNDO MATERIAL FORAM SEMPRE VISTOS COMO ANTAGÔNICOS. POSSIVELMENTE, PELA INFLUENCIA DA CULTURA GREGA, O CRISTIANISMO FOI SE CONSTRUINDO COM ESSA DICOTOMIA ENTRE O MATERIAL E O ESPIRITUAL, ENTRE O SAGRADO E O PROFANO, ENTRE A VIDA PRIVADA E A PÚBLICA. A ESPIRITUALIDADE SE LIMITAVA AO ESPAÇO RELIGIOSO, DE TAL MODO QUE AS VIVÊNCIAS PÚBLICAS RELACIONADAS A ATIVIDADES COMO ECONOMIA, POLÍTICA, LAZER, SAÚDE, EDUCAÇÃO ETC FICAVAM DELEGADAS AO MUNDO PROFANO.
ASSIM, SER RELIGIOSO PRATICANTE E SER ESPIRITUAL PASSARAM A SIGNIFICAR, QUASE SEMPRE, A MESMA COISA. COM ESSA CONCEPÇÃO, AS PRÁTICAS RELIGIOSAS TENDIAM A ALIENAR AS PESSOAS DAS NECESSIDADES RELACIONADAS AO CORPO, AO LAZER OU ÀS LUTAS PELA DEFESA E GARANTIA DE DIREITOS. ISSO NÃO SIGNIFICA DIZER, POR EXEMPLO, QUE RELIGIÃO E POLÍTICA ESTIVESSEM SEPARADAS EM SUAS ENGENHOSAS FORMAS DE ATUAÇÃO. ALGUMAS VEZES, ALIÁS, ESTIVERAM JUNTAS NOS PROJETOS DE CONQUISTA E DOMINAÇÃO DE IMPÉRIOS PODEROSOS; OUTRAS VEZES, SURGIAM APARENTEMENTE DISTINTAS, COMO SE SEPARADAS FOSSEM: PORÉM, SUTILMENTE UNIDAS, SENDO A RELIGIÃO O AGENTE DE ALIENAÇÃO – O "ÓPIO DO POVO" –, PROPICIANDO A ACOMODAÇÃO E A INÉRCIA DE POPULAÇÕES QUE NÃO REAGIAM ÀS DITADURAS, AOS PROCESSOS DE DOMINAÇÃO OU DE COLONIZAÇÃO.
AFINAL DE CONTAS, O QUE É ESPIRITUALIDADE? DE UM LADO, PODEMOS COMPREENDER A ESPIRITUALIDADE COMO UMA INTERAÇÃO DE DEUS COM OS SERES HUMANOS. PORÉM, PODEMOS PERCEBÊ-LA, TAMBÉM, COMO DESDOBRAMENTO DAS INTER-RELAÇÕES DAS PESSOAS COM OS "ESPÍRITOS", OU PARADIGMAS, DE CADA ÉPOCA. ASSIM, É COMUM E CORRETO FALAR-SE, POR EXEMPLO, EM ESPÍRITO ILUMINISTA, ESPÍRITO DO CAPITALISMO, ESPÍRITO DE RELIGIOSIDADE. ACONTECE QUE NOSSA GERAÇÃO TEM PASSADO POR PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÕES PROFUNDAS. NÃO ESTAMOS, APENAS, NUMA ÉPOCA DE MUDANÇAS, MAS NUMA MUDANÇA DE ÉPOCA. AXIOMAS FUNDAMENTAIS ESTÃO INTERFERINDO NO CURSO DE NOSSA HISTÓRIA. SAÍMOS DA PERÍCIA RACIONALISTA PARA O MUNDO DA SUBJETIVIDADE, DA INTUIÇÃO. PARA A SOCIEDADE PÓS-MODERNA, NÃO EXISTE MAIS UMA VERDADE ABSOLUTA, UM SER ÚNICO – O TEMPO PRESENTE FERMENTA A PROLIFERAÇÃO DO RELATIVISMO E DO PLURALISMO.
AS PRÁTICAS DE ESPIRITUALIDADE, HOJE, PODEM SIGNIFICAR TUDO OU QUALQUER COISA. COMPARANDO-SE ESSAS VIVÊNCIAS DE ESPIRITUALIDADE COM OS ENSINOS E PRÁTICAS DO JESUS HISTÓRICO, VAMOS ENCONTRAR MUITAS DIFERENÇAS, E ESSA TRANSIÇÃO DE ÉPOCA DESAFIA A ESPIRITUALIDADE, MISSÃO E CONSTRUÇÃO TEOLÓGICA DOS SEGUIDORES DE CRISTO NESSA GERAÇÃO. NÃO RECEIO EM AFIRMAR QUE A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ VIVE UMA DE SUAS CRISES MAIS PROFUNDAS. A CRISE ESPIRITUAL GERA A BANALIZAÇÃO DAS VIRTUDES E DOS PRINCÍPIOS MAIS IMPORTANTES DA VIDA. A CORRUPÇÃO, E HIPOCRISIA DE NOSSOS LIDERES POLÍTICOS; A DECADÊNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES; A VIOLÊNCIA E TANTAS OUTRAS CARACTERÍSTICAS DANOSAS DESTA ÉPOCA SÃO EVIDÊNCIAS DA DECADÊNCIA DOS VALORES ÉTICOS E MORAIS DO POVO BRASILEIRO.
A ESPIRITUALIDADE TEM SIDO PRATICADA, TAMBÉM, COMO FERRAMENTA PARA A PROSPERIDADE MATERIAL E SATISFAÇÃO DE DESEJOS. SENDO ASSIM, A ESPIRITUALIDADE NÃO É UMA ABORDAGEM, APENAS, DE INTERESSE DE PESSOAS RELIGIOSAS – ELA PASSOU A SER TAMBÉM OBJETO DE ENTRETENIMENTO, SEJA EM CULTOS E CELEBRAÇÕES, SEJA EM ESPAÇOS DE LAZER E ESPORTES, SEJA NO MUNDO CORPORATIVO. CRIA-SE, ASSIM, UMA ENORME PANACEIA ESPIRITUAL: A NOÇÃO DO SAGRADO E DA DEVOÇÃO SE DILUEM NAS MAIS VARIADAS EXPERIÊNCIAS MÍSTICAS E EM ATITUDES EXTERIORES QUE PASSAM LONGE DA GENUÍNA DEVOÇÃO, DA PIEDADE E DA FÉ VIVA.
MESMO ASSIM, AINDA ACREDITO NUMA ESPIRITUALIDADE QUE NOS TORNE MAIS HUMANOS, MAIS PRÓXIMOS DE DEUS, DAS PESSOAS E DE TODO O MEIO AMBIENTE DE QUE SOMOS PARTE. QUE POSSA GERAR MAIS VIDA DO QUE LUCRO MATERIAL; MAIS VIRTUDES DO QUE SUCESSO; MAIS AMOR ÀS PESSOAS DO QUE APEGO ÀS COISAS; MAIS SOLIDARIEDADE DO QUE COMPETIÇÃO; MAIS INTEGRIDADE DO QUE RELIGIOSIDADE; MAIS RENÚNCIA DO QUE EGOÍSMO. CONTINUO SONHANDO E AGINDO NA BUSCA DE UMA ESPIRITUALIDADE MAIS COMPROMETIDA COM DEUS E A VIDA ABUNDANTE PARA TODAS AS PESSOAS. UMA ESPIRITUALIDADE QUE COMBATA TODA FORMA DE INJUSTIÇA E OPRESSÃO.
AINDA HÁ TEMPO! E QUE DEUS NOS AJUDE NO CAMINHO DA VIDA, CONSTRUINDO JUSTIÇA, LIBERDADE, DEMOCRACIA PLENA E GARANTIA DE DIREITOS PARA TODOS.

O autor

Oi, meu nome é Rafael Sá. Sou téologo, filósofo e escritor. Neste ambiente a fé se converge com existência, produzindo espiritualidade. Estamos aqui até que chegue a paz do Cristo!